sábado, 26 de julho de 2008

Preto!

"O preto é o inicio de tudo, o ponto de partida, a silhueta, o recipiente - e depois o conteudo. Sem as suas sombras, o seu relevo e a sua proteção, parecer-mer-ia que as outrascores nao existem. O preto é ao mesmo tempo a soma de todas as cores. É voluvel, cambiante, nunca é o mesmo. Existe um numero infinito de tons de preto: o preto suave das roupas transparentes, o preto apagado e triste do crepe luto, o preto nobre e profundo do veludo, o preto profuso do tafetá ou o preto forte da seda (faille), o preto esvoaçante do cetim, o preto oficial e alegre do verniz. O preto faz que a lã pareça carvão, dá ao algodão um ar rustico e confere aos tecidos novos um toque insinuante.
Não tenho relação com a neve, não gosto de leite, as noivas dos meus desfiles são sempre coloridas. Só a caiadura deslumbrante das casas típicas do Mediterrâneo me abre o apetite pelo branco. Dou voltas, hopnotizado com os tons dourados e vermelhos. Dizem que estas cores juntamente com o preto sâo as cores da loucura (por isso, o realizador Ingmar Bergman pretndia uma caa vermelha em Lágrimas e Suspiros. Deve acrescentar-se que o preto é um pilar do Sul, uma presença calmante, algo evidente: já falei com frequencia sobre os matizes subtis do preto (como nos quadros de Frans Hals ou Velazquez), dos hábitos das freiras arlesianas da minha infancia, aos quais o sol arranca reflexos diversos - afirmaria até que o preto tem um aroma que se liberta dos tecidos quando expostos ao sol. Podia dizer-se o mesmo do preto do touro, para cuja pele os aficionados entusiastas têm adjectivos poéticos. Ao contrario do branco, o preto é penetravel. Numa pequena mancha preta, há densidade, prazer, um mundo inteiro. E custa resistir ao pretotirado dos tubosde guache espremidos, ao preto cor de carvão que transborda da lata de tinta acrilica ou ao da tinta-da-china que mancha os frascos ou ao preto de qualquer uotra parte. Tem-se vontade de lhe tocar, de o espalhar com pinceis ou até mesmo com as maos. O preto é tanto materia como cor, é tanto luz como sombra (cujo hino supremo Barthes cantou). Não é triste, nem alegre, mas sim allure e elegancia, perfeito e indispensavel. Tal como a noite, é irresistivel.
As crianças não deviam temer o preto, porque se o seu misterio as assusta, é porque nele podem obter a resposta aos seus próprios segredos.

Christian Lacroix sobre a cor preta.